2008/07/18

The Black Dog

Aromática Viagem

A nebulosa musical que surge no horizonte, logo que surgem os primeiros acordes de “Train By The Autobahn [Part 1]”, faz-me transpirar de uma forma exótica, não é apenas suor, é algo mais, algo subtil, qualquer coisa misteriosa.
Cheira a canela.
Poderia sem dúvida nenhuma atribuir, poderes mágicos à musica dos Black Dog, tal é a forma contagiante com que os pés necessitam de marcar o compasso, é irresistível, é arrebatador. Toda a ambiência climática evolve o ouvinte de uma forma tocante, são trombas de baixos, é a maquinaria electrónica, são as sequências rítmicas sem fim.
Cheira a caril.
O último trabalho dos Black Dog (o nono álbum) será provavelmente o meu álbum de electrónica de 2008, mesmo sabendo que é um grande risco afirmar tal coisa (ainda só vamos a meio do ano), vou tentar assumir e defender tal desígnio. Claro que tal tarefa se apraz de fácil cumprimento, isto porque Radio Scarecrow é sem dúvida o disco menos cansativo do ano.
Cheira a cravinho.
Train By The Autobahn [Part 2]” continua a sua caminhada, a sua viagem, acalmou, quase que se silenciou na transição entre temas, mas lentamente ganha novamente corpo, tudo volta ao normal, batida enigmática, fatal, descarga electrónica em perfeita compensação.
Cheira a pimenta.
Radio Scarecrow vai continuando a debitar decibéis de alta qualidade, pequenos oásis de som, pérolas de método, tudo vai continuando em sequencia perfeita, progredindo em ondas perfeitas, pode aqui ou ali surgir um ou outro tempo morto, mas no momento logo seguinte, tudo começa a fazer novamente sentido.
Cheira a Black Dog.

Momento Mágico: Train By The Autobahn [Part 1] & [Part 2]


The Black DogRadio Scarecrow (2008) - Soma

2008/07/14

Micah P. Hinson

Dorido Romance

O passado negro e quase sempre auto-destrutivo de Micah P. Hinson, deverá ser certamente uma das principais razões, para tão intensas desilusões, para tanto desengano, para um tão vasto universo de desapontamento. O romantismo de Hinson é arrastado e desgraçado, é doloroso, cruel e atroz. Todas as suas canções são hinos à lastima e ao sentimento mais penoso, musica criada após intensas feridas lhe terem dilacerado o coração.
Tell Me It Ain't So” surge na névoa como uma liturgia publica, um pedido de ajuda, a tentativa de ainda poder ser socorrido. Um violino e uma guitarra pode ser os melhores amigos, desde que combinados da forma correcta, “Sunrise Over The Olympus Mons” é a melhor descrição disso, os ecos sem fim da guitarra, contrastam na perfeição com a plenitude do violino, a sonolenta voz de Micah faz o resto. A simplicidade de “The Fire Came Up To My Knees” não é mais uma do que uma prova real, de que é possível criar canções sem grandes mordomias, basta um curto dedilhado de guitarra, uma voz potente e meia dúzia de palavras sentidas. “You Will Find Me” é fortemente cinematográfico, poderia muito bem viver dentro de um qualquer filme do Tarantino, tem um ritmo muito próprio, uma intro à anos 60, para depois andar enrolada em permanentes crescendos, pondo um pé no mais cru do folk e ao mesmo tempo nunca abandonar o espírito californiano.
…And The Red Empire Orchestra é puro folk de perfil rural, por onde se espraia a musica de Micah, é uma maquina de criação e transmissão de sentimentos, foi-lhe dando uma mordaz carapaça, onde ele agarrado á paixão e à dor de alma, vai gritando poemas de amor.

Momento Mágico: We Won't Have To Be Lonesome


Micah P. Hinson – “… And The Red Empire Orchestra” (2008) - Full Time Hobby

2008/07/11

Sigur Rós

Vikings

A destreza nórdica, que sempre distinguiu os Sigur Rós de todos os projectos feito de gelo, é a sua eficácia polifónica. Sentimentos frios e claustrofóbicos, gritos de desespero, melancolia soturna, hinos a preto e branco. Os Sigur Rós souberam sempre pintar paisagens apinhadas de emoções, todo o cosmos por eles inventado é uma imensa maré de esperança.
Os Sigur Rós usam o islandês em todos os seus temas, isso dá-me uma liberdade mental sem igual, posso abrir completamente o meu espírito e criar letras imaginárias, ir colorindo as imagens que se vão soltando a cada nota, a cada coro.
A abertura do 6º álbum de originais desta banda de Reykjavik, faz-se nas ondas de Animal Collective “Gobbledigook” é um tema alegre e fortemente festivo, o que poderia antever uma viragem de 180º na carreira até aqui desenhada pelos Sigur Rós, mas não com “Inní Mér Syngur Vitleysingur” começa lentamente a projectar-se as ambiências que tão bem os caracterizam. A partir daí é toda a escuridão regressa, voltam os sons lunares, as vozes sombrias “Góðan Daginn”, o pequenos ajustes musicais, as pequenas deduções de harmonia.
Með Suð í Eyrum Við Spilum Endalaust
(tradução para inglês: With A Buzz In Our Ears We Play Endlessly) é um disco dentro da linha mais clássica a que os Sigur Rós nos habituaram, pode aqui e ali sair um pouco da linha, mas examinando todos os seus contornos, rapidamente se pode concluir de que estão em excelente forma.

Momento Mágico
: Ára Bátur


Sigur Rós
- Með Suð í Eyrum Við Spilum Endalaust (2008) – XL Recordings

2008/07/05

Oceansea

Promissor

Munido da sua guitarra e agarrado à sua simplicidade urbana, um rapaz desenha a traços de carvão um EP a preto e branco, não existe a aspiração de fazer algo sublime, apenas a necessidade de criar, a urgência de divulgar.
Apesar de possuir outros projectos, Oceansea é o nome do projecto solitário de Daniel Catarino e o EP Songs From The Bedroom Floor... o seu primeiro trabalho. Gravado de uma forma elementar e sem grandes apetrechos Songs From The Bedroom Floor..., reflecte a calmaria típica de quem partilha mundos perdidos, universos de vozes ambulantes e dedilhados de guitarras melancólicas. Songs From The Bedroom Floor... [EP] ouve-se em crescendo, vai alimentado de uma forma subtil o ego de quem o escuta.
O suave suspirar de “The Whimsical River”, surge durante o levantar da neblina oceânica, é um autêntico misto de canto e de oração folk. Em “Breathing” há uma indestrutível força de vontade, um ameno grito de afirmação. O dia já vai alto quando “Over The Sun” lhe intensifica o brilho, confirmando-se que nem só de sol vive o homem. ”Seasons In The Rain” continua no mesmo formato, voz em duplicado, guitarra minuciosa. “Postcards From The Walls Of Sin” é um tema delicioso, bucólico, arrasta-se durante alguns minutos, está repleto de intenção de liberdade, de partir, quer definitivamente voar para bem longe.
Da mesma forma que Songs From The Bedroom Floor... [EP] peca por ser curto, fica no ar a sensação de dever cumprido, a proposta de trabalho foi cumprida e bem realizada, é muito provável que a intenção tenha sido esta, eu é que fiquei com água na boca.
A ouvir: http://www.myspace.com/oceanseamusic

Momento Mágico: Postcards From The Walls Of Sin


Oceansea - Songs From The Bedroom Floor... [EP](2008)

2008/07/01

Silver Jews

Paixão

Uma das coisas que mais prazer me dá, nesta coisa da musica, são as paixões inesperadas, aquele sentimento estranho de difícil explicação e de complexa justificação. Gosta-se (e muito) e pronto, é tudo quanto basta.
A banda de David Berman tocou-me a alma em 1998, alguém num acto de pura simpatia, alguém agarrou no American Water e disse-me: “ouve, acho que tem muito a ver contigo”… preciosa alma. Depois disso, parti à descoberta do maravilhoso mundo de Silver Jews, primeiro com Starlite Walker (1994) e logo de seguida com o The Natural Bridge (1996). Dessa data até hoje nunca mais perdi o fio à meada, Bright Flight (2001) e a obra prima Tanglewood Numbers (2005). E o mais interessante nesta caminhada, é que a intensidade aumenta de uma forma quase matemática, palavra a palavra, canção a canção, disco a disco, é a construção do cosmos “silveriano” a tomar conta do meu ser.
O mais recente trabalho dos Silver Jews, chega na altura em que a ressaca estava a ficar insuportável, a dependência provocada pela necessidade de uma nova dose de canções e de novos poemas de Barman é altamente dolorosa, com Lookout Mountain, Lookout Sea acaba a angustia e abre-se a esperança. “What Is Not But Could Be If” é a abertura perfeita, lenta, intensa, pacifica, é a antítese ideal de todo o disco. A “trilogia” alt-pop composta por “Suffering Jukebox”, “My Pillow Is The Threshold“ e “Strange Victory, Strange Defeat“ é de arrasar com a mais sossegada das almas, é impossível não tomar atenção, é ao mesmo tempo uma brilhante e demolidora sequência.
O sexto álbum de Silver Jews é musicalmente um tratado, transborda melodias rock-folk por todos os poros, é Cash, é V.U., é Dylan, um disco mais que perfeito, da mais exemplar banda da actualidade.

Momento Mágico: We Could Be Looking For The Same Thing


Silver JewsLookout Mountain, Lookout Sea (2008) – Drag Cit