2007/03/27

Odawas

Twin Freaks

Laura Palmer vestida de negro, verruga no nariz e de pêlo na venta, atravessa a porta de luz e descobre a beleza que pensava não existir. É este o espaço cinematográfico criado por Odawas, uma espécie de Angelo Badalamenti from Hell. Os Odawas são a sombra dos sons de Badalamenti, vivem na ala psiquiátrica do seu cérebro, onde a esquizofrenia coabita com os cantos angélicos e hinos de louvor.
O segundo trabalho de Odawas, é uma obra perfeita. Está assente em alicerces temáticos, e por isso pode ser folk-ambiental “When God Was A Wicked Kid”, tem o ambiente fumarento de um qualquer cabaret negro “Getting To Another Plane” onde uma guitarra Guilmoriana chora mágoas e tem uma perfeita pérola negra “Alleluia” onde a voz arrastada e destroçada de Michael Tapscott é o veículo perfeito para nos transportar para um qualquer Western-Spaghetti de Sergio Leone.
A manta de retalhos criada pela totalidade dos temas, faz deste Raven And The White Night, um fabuloso álbum, um diamante em bruto, cabe a cada um de nós lapida-lo, se bem que haverá quem nem sequer lhe puxe o lustro e o consuma cru.
Momento Mágico: Alleluia


Odawas
Raven And The White Night (2007) - Jagjaguwar

2007/03/24

Calla

Callados?

Ao falar dos Calla sou suspeito, pois não são mais que a minha banda predilecta. Não me perguntem porquê, nem eu sei. A languidez melancólica do rock produzido por estes nova-iorquinos e a voz torturada de Aurélio Valle, deixam-me agradavelmente depressivo. Assim aguardava ansiosamente pelo seu quinto disco. Mas Strength In Numbers acabou por soar a ligeira decepção. Ainda com os ouvidos viciados no antecessor Collisions, um disco atmosférico mas magnificentemente negro e melancólico quanto baste, o último álbum de Calla soou a cacofonia onomatopeica, guitarrada desordenada em desespero de causa. No conjunto é um disco sem harmonia. Ao contrário do trabalho antecessor e de Televise, é um disco inacessível, um niilismo. Não obstante, o género negro, frio e depressivo a que os Calla nos habituaram continua presente, o romantismo negro marca algumas linhas: “If I Fail, if I rise/will you trail behind?”, a guitarra acústica envolve e não desilude. Por isso, “Strength In Numbers” contém, ainda assim, temas que não decepcionam: “Sleep In Splendor”, “Stand Paralyzed”, “Malicious Manner” e “A Sure Shot”, são exemplo de que os Calla continuam fiéis a um estilo que se tornou a sua marca registada. Não termino sem referir que continuam a ser a minha banda favorita, mas quem calla consente e eu não me podia calar. Venha o sexto álbum.

Momento Mágico: Stand Paralyzed


Calla - Strength In Numbers (2007) -
Beggars Banquet

2007/03/22

Ataque Frontal – Underground Português do Século XXI

Heróis do Punk, Nação Valente

Qual é a verdadeira razão, dessa coisa chamada underground existir? Estamos perante bandas, que se recusam a inserir no meio musical comercial/mainstream? Ou são automaticamente, postas de parte pela indústria que gere o próprio meio (rádios / Tv’s / jornais / etc)? Gostava, um dia de ler uma resposta lógica e bem fundamentada e não uma resposta repleta de desculpas e cheia de lugares comuns.
O micro planeta punk-metal-rock português existe, tem saúde e recomenda-se, se alguma dúvida houver escutem a excelente colectânea “Ataque Frontal – Underground Português do Século XXI”. O serviço prestado pela Editora Impulso Atlântico, é louvável e merece todo o mérito, não só porque luta contra o sistema instalado, mas fundamentalmente porque consegue reunir 50 bandas num CD duplo e apresentá-lo ao público, com uma qualidade invejável de produção e com uma arrumação (alfabética) bastante curiosa.
E assim de um pouco mais de duas horas, somos arremessados ao tapete várias vezes. Bandas como Acromaniacos, Coiratos Violentos, If Lucy Fell, Mata-Ratos, Peste & Sida, The Parkinsons, etc, mostram toda a sua capacidade sónica, para provar que Portugal não é o eterno país do fado. Punk Rock está vivo e transpira (literalmente) som por todos os poros.

Ataque Frontal – Underground Português do Século XXI
(2006) – Impulso Atlântico


A Visitar - IMPULSO ATLÂNTICO

2007/03/17

Brett Anderson

O Miudo-Pop

As feições são de miúdo, pelo menos não consigo olhar para ele e ver um homem adulto, em contrapartida é um senhor no que concerne a criação de temas pop. Brett Anderson esteve no meio da explosão que foi o Britt-Pop dos anos 90, aliás, nesse fenómeno esteve a banda de que era vocalista, os Suede, responsável por dois discos, que marcam a pop britânica dos últimos 20 anos Dog Man Star e Coming Up. Agora, Brett Anderson, chega a 2007 na aventura do “álbum a solo” e consegue-o de forma impressionante, num álbum dramático, emocional e até filosófico (ouça-se “The More We Possess The Less We Own Of Ourselves”). Uma verdadeira orquestração de emoções.
Sente-se, apesar de tudo, aqui e ali uma falha na estrutura musical (afinal falta Bernard Butler, o outro Suede). Mas o song-writer está em grande, transborda de romantismo, nascem flores a cada refrão, temas como “Colour Of The Night” ou “To The Winter” demonstram que o amor é livre e é o que queremos que ele seja. Neste debut, Brett Anderson distancia-se do estilo que caracterizou os Suede, evitando o alternativo e o Britt-Pop. O que fica patente: os Suede não estão mortos, apenas estão em hibernação, ficaremos atentos.

Momento Mágico: Love Is Dead


Brett Anderson - Brett Anderson (2007) - Drowned In Sound

2007/03/14

If These Trees Could Talk

100 Voz

São imensas a bandas, que sintonizam este programa, o chamado post-rock ou cosmic-rock (como eu gosto de lhe chamar). A viagem espacial iniciada na primeira descarga de bateria, leva-nos em mach 3 até aos anéis e saturno, para depois subir e descer como se uma montanha russa se tratasse, as rápidas imagens cerebrais criadas por If The Tree Could Talk, baralham os sentidos, obrigando a um constante arrumar das ideias.
O duelo ou melhor o trielo entres os (3) guitarristas de Akron (USA), serve quase sempre como mote, como pontapé de saída, e eles juntam-se a bateria e o baixo e de onde na teoria poderia surgir noise rock, sai melancolia, fragilidade, sinceridade…
If These Trees Could Talk são uma banda cheia de vontade, transbordam electricidade estática (de por os pêlos em pé), reflectem longas paisagens lunares, onde o eco e a profundidade de todos os sons, são sinais de fumo visíveis a várias milhas de distância.

Momento Magico: Smoke Stacks


If These Trees Could Talk
– “If These Trees Could Talk [EP]” (2006) - Procedure Records

2007/03/11

Kaiser Chiefs

Cumprir Calendário

Perdoem-me a expressão, tantas vezes utilizada no vernáculo futebolístico, mas é a sensação que deixa Yours Truly Angry Mob.
No novo disco os Kaiser Chiefs não se conseguem separar da herança de Employment, a sua estreia, contudo isso não constitui, necessariamente, um aspecto negativo, efectivamente introduzem canções que surpreendem, sem que as mesmas se afastem daquilo que se conhece à banda e, em última análise, superam o sempre difícil obstáculo que constitui o segundo disco da carreira.
Muito embora comece de forma desalinhada, gradualmente ganha corpo e atinge um patamar que nos leva a recomeçar a audição, essencialmente, porque contém uma descrição mordaz, com laivos humorísticos, da vida no Reino Unido nos dias de hoje, principalmente as angústias existenciais da classe trabalhadora e da classe média britânicas “The Angry Mob”, do ambiente decadente dos pubs, cheios de adolescentes “High Royds” e do impacto que o sucesso teve na sua vida “Thank You Very Much”, “Learnt My Lesson Well” e “Retirement”.
Resumindo, e recorrendo novamente às expressões de carácter futebolístico que até não são completamente descabidas uma vez que o nome da banda resulta da equipa sul-africana onde jogava Lucas Radebe, antigo central do “Leeds Utd.”, clube da sua terra natal, os Kaiser Chiefs “cumprem calendário”, conseguem os “três pontos”, mas ficamos a aguardar o disco em que vão aliar “ a exibição ao resultado final”, algo que entendo serem capazes de fazer.

Momento Mágico: I Can Do It Without You


Kaiser Chiefs - Yours Truly Angry Mob (2007) - Universal/Polydor

2007/03/06

Panda Bear

Animal Singular

Mais vale só, que mal acompanhado, é o provérbio a contrariar a ouvir o novo trabalho de Panda Bear aka Noah Lennox, isto porque a solo vale tanto como acompanhado, a diferença é que sozinho é mais autónomo e menos complexo.
Nelson Mandela poderia ter sido libertado, ao som de “Comfy In Náutica”, um verdadeiro hino libertador, repleto de cor e com intenso cheiro a terra. “Bros” é uma paranóia solarenga, coberta de vocalizações e com um curto loop que estende para lá do por de sol, a Califórnia pode ser onde o homem quiser, com ou sem Beach Boys. O vazio cerebral, provocado pela audição (continua) de "I'm not"... é um autêntico clister-mental.
Person Pitch não é imediato, nem repentino, é folk-psicadélica com psicose acentuada, inundada de samplers e micro-sons, é a procura de algo conhecido, no desconhecido. Ao 2º álbum afirma-se sem qualquer dúvida: uma parte pode, ser tão perfeita como o todo.
Um grande disco. Primeiro disco do ano sem fim... para ir descobrindo.

Momento Mágico: I’m Not


Panda Bear
Person Pitch (2007) – Paw Tracks

2007/03/03

Richard Swift

O Homem dos Balões

Richard Swift está de volta.

- E quem é ele? Perguntam vocês.
E eu respondo
- É o Sr. Simplicidade.
Swift nasceu há 30 anos na Califórnia e apesar de muitos dos seus temas, soarem a pop soalheiro, não estamos perante um dos muitos surf-rockers, que por aí andam (e até tresandam), Swift é um artista a sério. O tom dramático com que interpreta os seus temas, o estilo descontraído que daí resulta, aproximam-no de um Rufus Wainwright ou até do grande mestre Brian Wilson (versão mais nocturna), se bem que a comparação, com este ultimo, lhe irá carregar nos ombros uma enorme responsabilidade (a tempos veremos, se a consegue suportar).
Dressed Up For The Letdown, surge como a sequência lógica de The Novelist/Walking Without Effort (álbum duplo de 2005), sendo ao mesmo tempo complemento de uma história e a afirmação de Swift com artista, a partir daqui é dele o mundo.
A voz de Richard Swift, está perfeitamente torneada, já não há defeitos, nem limalhas, atente-se na perfeição vocal de “Ballad Of You Know Who”, perfeitamente cristalina. Com “Kisses For The Misses” existe uma tonalidade irónica, que penso que deve ser explorada, bem como um ambiente tipicamente cabaret. “The Million Dollar Baby” é de uma intensidade sem fronteiras, somos transportados pela sua doce voz e sem querer levantamos voo.

Momento Mágico: Buildings In America


Richard Swift – “Dressed Up For The Letdown” (2007) - Secretly Canadian